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Críticas

BRIDGERTON S03 – PARTE 02 – O que seria da vida sem a fofoca? | Crítica do Neófito

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Ao assistir à segunda parte de Bridgerton S03 (ou terceira temporada), o megassucesso absoluto da Netflix, veio-me à cabeça duas peças culturais brasileiras de grande relevância e que tratam do cerne da série.

A primeira é Memória Póstumas de Brás Cubas, na qual o personagem principal, ao postumamente narrar sua vida, cujo desenrolar se deu no decorrer do século XIX, traça um retrato ácido da sociedade da época, tocando em temas como escravidão, darwinismo social, divisão de classes e o vazio existencial que marca a vida do rico e fútil protagonista.

A segunda obra é a música Burguesia, de Cazuza, que possui versos como “a burguesia não tem charme nem é discreta, com suas perucas de cabelo de boneca”; ou que os burgueses “são caboclos querendo ser ingleses”.

Nas duas obras – literária e musical – há uma crítica ao estilo de vida burguês/nobre, notadamente marcado por uma certa dose de frivolidade, niilismo e hedonismo.

Para quem tem “tudo” – dinheiro, status, acessos etc. – o que dá sentido à vida?

Steve Jobs disse, em uma entrevista muito antiga (há mais de 20 anos) que, ao alcançar o primeiro bilhão de dólares tudo ficava meio em “suspenso”, afinal – naquela época – isso significava ter acesso a tudo o que se poderia querer.

Um multibilionário contemporâneo – como, por exemplo, Elon Musk – costuma preencher seu tempo “livre” causando barulho nas redes sociais ou até mesmo se metendo em assuntos atinentes à soberania de certos países, afinal, o que há mais para se fazer?

Na época áurea da nobreza e do “Período Vitoriano”, o prazer cotidiano era marcado pelas intrigas da corte, pelas fofocas de bastidores, pelo controle sobre a moral alheia, tudo escondido sob um ar de civilidade e etiquetas sociais.

Isso lembra o grande Nelson Rodrigues e sua crítica mordaz acerca da fachada moralista da classe-média brasileira das décadas de 1940-1950, cheia de rígidas estruturas formais “por fora” e completamente depravada na intimidade.

Bridgerton, desde sua excepcional primeira temporada, é completamente isenta de culpa e vergonha ao assumir essa consciência acerca da futilidade da vida palaciana da nobreza inglesa do início do século XIX, ao contrário, tirando partido desse fato.

Desse modo, a maior preocupação que os personagens demonstram é – como diria Noel Rosa “com que roupa eu vou pro samba que você me convidou”? Ou seja, o que tirava o sono das moças era em como conseguir um “bom partido” para casar e em nunca repetir o mesmo figurino nos bailes que cada família nobre se via obrigada a dar para ser vista/aceita em sociedade como “digna” de seu título.

Quem errasse nesses e outros quesitos similares, era alvo dos olhares e comentários maldosos do restante da alta-sociedade, além, claro, do tédio da rainha, o que arrasava com qualquer reputação.

Não é por menos, então, que a misteriosa personagem da colunista de fofoca, Lady Whistledown – pseudônimo secreto de Penelope Featherington (Nicola Coughlan, excelente) – cause tanto alvoroço nos empertigados condes, viscondes, barões e afins, ao ponto da própria rainha da Inglaterra se lançar numa busca obsessiva por revelar sua identidade.

Um dos grandes méritos da criação de Julia Quinn está no fato de tornar atraente e quase “inocente” toda essa futilidade da nobreza inglesa, romantizando o que, em última análise, é característico de uma alta dosagem de niilismo nas relações. Amor e desejo se confundem; sofisticação e elitismo se imbricam; maledicência e posição social não se distinguem. E tudo bem!

Já a produção marcante de Shonda Rhimes permeia todo aquele universo com elementos quase “fantásticos”, tais como uma sociedade e realeza verdadeiramente miscigenadas e diversificadas, o que, surpreendentemente, confere à Bridgerton um subtexto de grande profundidade: afinal, como teria sido a história humana se negros e brancos tivessem sido tratados de igual maneira, e sem ideias de superioridade racial, pela mentalidade europeia?

Além, claro, de uma boa dose de erotismo “chique” e estilizado!

Com essa base rica e, de certa maneira, polêmica, a série caiu no gosto de todos os públicos, que acabam se esquecendo de que todas as histórias de Bridgerton envolvem ricos e nobres fúteis e vazios, entregues a prazeres hedonistas e histriônicos, embrulhadas numa embalagem de figurinos esplendorosos, cenários deslumbrantes, fotografia arrebatadora, performances inspiradas, clima festivo, trilha sonora acertada e direção precisa.

Apesar da perda de ritmo da inferior segunda temporada, esta terceira, estrategicamente dividida em duas partes, consegue resgatar vários dos elementos que fizeram do primeiro ano da série o enorme sucesso que foi.

Nesta segunda parte, então, o clima de romance e a “saga do herói” feminina, envolvendo a luta de Penelope para vivenciar seu grande amor e sair ilesa dos riscos de ter o alterego revelado, foi muitíssimo bem desenvolvido.

Muito desse acerto se deve à interpretação hipercarismática de Coughlan – protagonista, junto com o regular Luke Newton (Colin Bridgerton) deste terceiro ano – que, apesar de seus 37 anos de idade, consegue convencer como “mocinha” pós-debutante perdidamente apaixonada e, ao mesmo tempo, idealista e muito progressista para os padrões da época ali retratada.

O resto do elenco compõe o cenário com vestimentas impecáveis e lindas de se ver; além de diálogos afiados e deliciosos; mas, sem dúvida, estão ali como figurantes de luxo para a história central de Penelope e Colin.

Benedict Bridgerton (Luke Thompson), Violet Bridgerton (Ruth Gemmell) e Francesca Bridgerton (Hannah Dodd) até têm alguma evolução (ou sugestão de evolução) de seus personagens, mas, de maneira geral, iniciam e permanecem no mesmo lugar.

Talvez a mais subaproveitada personagem seja a de Eloise Bridgerton (Claudia Jessie), com enorme potencial e carisma, mas cujo desenvolvimento simplesmente não se dá.

Fotos: Divulgação (mudando sempre, para sempre continuar a mesma coisa)

Quem também se destaca é a Cressida Cowper (Jessica Madsen), e suas maravilhosas ombreiras, cujo personagem consegue causar repulsa e dó simultaneamente, graças aos dramas, personalidade e atitudes que simultaneamente sofre, possui e toma ao longo de toda Bridgerton S03.

No entanto, o foco está mesmo em Penelope, que não foge do encargo de ser o alicerce desta nova temporada da série.

Muito bonito, também, a aposta da produção no erotismo “fora da caixa”, mostrando a nudez sensual e bela de corpos que não se encontram dentro do padrão estético. A cena de Penelope e Colin é intensa e de extrema sensibilidade, repleta de beleza.

Foto: Divulgação (beleza, sofrimento e vilania em iguais medidas)

Que venha a quarta temporada – anunciada apenas para 2026 – que pode apostar numa temática mais complicada de se harmonizar com o período histórico retratado, com a sugerida homossexualidade e/ou fluidez sexual de alguns dos Bridgerton’s. Vejamos como Rhimes irá costurar essa necessária e bem-vinda discussão num ambiente tão conservador quanto foi a Era Vitoriana.

Esperamos, também, que esses enormes hiatos entre as temporadas não tornem inviáveis a manutenção do elenco, formado em sua quase total maioria por artistas acima dos 30 anos, mas que dão vida a debutantes ou jovens burgueses, à exceção das matriarcas, patriarcas e figuras da realeza.

Bridgerton S03 é mais um acerto desta irresistível produção.

Até a próxima viagem nerd, passageiros Nerdtrip!!

Foto: Divulgação (“espelho, espelho meu”: se você contasse todos os segredos que já testemunhou…)


Nota: 3,5 / 5 (muito bom)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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