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Críticas

SALAMANDRA – Predando o predador | Crítica (tardia) do Neófito

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A salamandra é um anfíbio carnívoro, costumeiramente confundido com o réptil lagarto.

Ela gosta de viver perto da água, em charques, por exemplo.

Também são criaturas mitológicas, caras para a Alquimia, muito graças à sua extraordinária capacidade de regeneração de cauda e membros e uma ainda não comprovada resistência ao fogo.

Existem mais de seiscentas espécies de salamandras – com variações de cor, tamanho, agressividade, peçonha etc. – e que podem ser encontradas em várias partes do mundo.

Foto: arquivo digital internet (tem cara de lagartixa, tem perna de lagartixa, tem rabo de lagartixa, mas não é lagartixa!)

Este fascinante animal é metáfora da personagem Catherine, vivida de forma intensa e desapegada por Marina Foïs (da série A Fúria de Paris, da Netflix), no filme homônimo – Salamandra – que marca a estreia na direção de Alex Carvalho.

O roteiro desta produção franco-brasileira se baseia no livro La Salamandre, de Jean-Christophe Rufin (sem tradução para o Português) e, aparentemente, segue com boa fidelidade a trama literária original.

A história, portanto, mostra Catherine, uma francesa acima dos quarenta anos que, após a morte do pai de quem cuidava, vem visitar a irmã Aude (Anna Mouglalis), no Recife. Aude é casada com o bem-sucedido brasileiro Ricardo (Bruno Garcia), e mora há anos na capital de Pernambuco.

Foto: Divulgação (nada como uma reunião de família “feliz”)

Sozinha e, até então, presa à obrigação de cuidar do pai doente, Catherine percebe tanto o peso da idade, quanto a passagem do tempo de vida que havia perdido, numa cena silenciosa em que precisa escolher entre usar biquini ou maiô para visitar as belas praias recifenses.

Silenciosa e deslocada num país de língua, costumes, cultura e clima muito diversos do seu – mas ao mesmo tempo guardando um certo ar de superioridade, haja vista a tradição europeia e a condição financeira privilegiada – Catherine se deixa facilmente fisgar pela abordagem sedutora do jovem Gil (Maicon Rodrigues) – que tanto denota um ar de malandragem, quanto de aparente inocência – entregando-se a uma paixão extremamente física e quase desesperada, como se não pudesse mais perder um segundo sequer de prazer e liberdade em sua existência.

Lógico que, após o princípio promissor do romance, as coisas não prosseguirão limpas e ensolaradas como o céu litorâneo de Recife, principalmente após o surgimento da figura do enigmático Pachá (personagem de Allan Souza Lima) que oscila entre a persona de um empresário da noite recifense e um chefe de organização criminosa, com quem Gil parece ter uma relação de profunda dependência e reverência.

Foto: Divulgação (um vilão, um qualquer ou tudo ao mesmo tempo?)

O tórrido romance entre a mulher loira, europeia, de meia-idade, com o homem negro, jovem e periférico, também é metáfora do neocolonianismo europeu; do estigma da virilidade negra e selvagem do “nativo”. A Europa chega, extrai recursos, delicia-se com os recursos postos a sua disposição, dando muito pouca coisa em troca e, mesmo quando dá algo aparentemente de maior vulto, precisa estar no comando: “é sua, mas deixe que eu pilote”, como acontece a certa altura de Salamandra.

O único recurso do colonizado para parar de ser explorado é usar de artifícios, é ser manipulativo, é usar de desonestidade, mas, em decorrência, precisará se ver com a ira do colonizador traído – imune ao fogo, capaz de sempre se regenerar – e que, mesmo ferido, continuará sua jornada, no mesmo habitat, com os mesmos costumes, familiarizado com a solidão (ou seria auto-isolamento?).

Todas essas camadas podem ser extraídas de Salamandra, cujo trabalho de atores é digno de aplausos. Marina Foïs – no auge de seus cinquenta anos – entrega-se sem qualquer reserva à sua Catherine, expondo-se física e emocionalmente, enquanto Maicon Rodrigues consegue conferir a exata dose de ambiguidade e simpatia ao seu Gil, de modo que a ser cativante o suficiente para que se torça por sua integridade.

Foto: Divulgação (o contraste e a química)

O restante do elenco é mera ponte para os protagonistas e, em especial Foïs.

Há um bom trabalho no roteiro, de maneira a não facilitar a questão da comunicação entre os personagens, lembrando que alguns falam francês (e não inglês) e os demais português.

A coreografia de algumas das cenas de sexo beira ao explícito, mas tal fato é explicado pela visceralidade (e quase animalidade) presente no contexto do romance entre Catherine e Gil, fugindo da gratuidade apelativa pura e simples.

A fotografia busca evidenciar o contraste entre a parte rica e pobre da cidade litorânea; e a própria topografia de Recife ajuda na construção de belas locações.

O horizonte oceânico divisado ao longe, pela varanda da casa simples da periferia que Catherine passa a morar para poder usufruir de total liberdade com seu amante, é bastante diferente da orla onde sua irmã mora, num belo apartamento com vista para o mar. Da periferia, o horizonte paradisíaco da praia pode ser avistado e acalentado, mas é didaticamente colocado à distância, mostrando a dificuldade real de se conseguir pegar aquilo tudo.

A “Europa” pode emoldurar aquela vista e acessá-la quando bem entender, enquanto o “nativo” teve que se refugiar à distância.

Mas, apesar de todas as camadas presentes na narrativa, a forma de Salamandra apresenta problemas, os quais perpassam pelo elenco de apoio subaproveitado; uma tinta excessivamente carregada nos estereótipos, tornando Catherine e Gil quase caricaturas da “europeia típica” – fria, calculista, racional, mas enfeitiçada pela paixão –­ e do latin lover – jovem, viril, impulsivo e malandro egóico.

Alex Carvalho se mostra promissor nesta sua primeira aventura como cineasta, mas é perceptível um pouco de “mão pesada” na condução de seu roteiro, com alguns cortes menos elegantes; elipses narrativas confusas; direção de arte competente, mas pouco chamativa; e um acabamento deficitário.

Salamandra é um filme “Bom”, mas integra a grande leva de filmes brasileiros “crus”, que retratam a “dura realidade” nacional e, neste ponto – mesmo com a inserção do elemento estrangeiro – é mais um de tantos.

Foto: Divulgação (o olhar do desejo, que vira pecado sob o olhar da santa)


Nota: 3 / 5 (bom)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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