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Críticas

THE BOYS S04 – Jogando na cara! | Crítica do Neófito

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A crítica a esta quarta temporada de The Boys (The Boys S04) poderia muito bem ser convertida em uma monografia, de tantas coisas que podem ser abordadas.

Evidente, porém, que isto é inviável e o atual consumidor desse tipo de matéria – treinado para vídeos rápidos e textos curtos – não se disporia nem a abrir um texto desta magnitude!

Então, vamos sintetizar o máximo que pudermos!

Para começar, é bom lembrar que Garth Ennis, criador do The Boys (originalmente no formato hq) apesar de ser escritor de histórias em quadrinhos, nunca escondeu o fato de não gostar muito do conceito de “super-heróis” (na verdade, poderia se dizer do próprio conceito de “heroísmo”).

A hq The Boys, neste sentido, era uma crítica mordaz e despudorada àquela visão idealizada que se tinha, por exemplo, de heróis como Superman que, mesmo tendo o poder de um deus, continuava a se esconder por detrás de um par de óculos, preferindo combater bandidos pé-de-chinelo ou manter sua rixa com Lex Luthor do que, de fato, tentar resolver os problemas da realidade em que existia.

Foto: arquivo digital (polos opostos face a face)

Alan Moore (seguido por Neil Gaiman), ao escrever Miracleman, abordou esta incoerência do Superman, mas, até aquele momento, o bruxo-escritor britânico ainda acreditava na mitologia dos super-heróis.

Já o irlandês Ennis, sempre questionou esse “heroísmo” estranho, no qual os personagens transbordam aquela aura de superioridade moral, mas, sem nunca conseguirem de fato resolver os problemas de seu mundo.

Em The Boys, ele foi além: e se todo esse “heroísmo” fosse fruto de interesses corporativos ou mais um elemento de exploração capitalista (em especial, do norte-americano)? E se o “Superman” – símbolo dos “superseres”, consubstanciado na figura do Capitão Pátria – fosse um sujeito “egóico” e corrompido pelo próprio poder?

Afinal, trazendo uma reflexão shakespeareana, trazida em A Tempestade, de que “o poder tende a corromper; e o poder absoluto corrompe absolutamente”, se houvessem, de fato, pessoas superpoderosas, será que elas seriam realmente altruístas ao ponto de se sacrificarem o tempo todo por pessoas que sequer conhecem ou, ao contrário, iriam se aproveitar de suas habilidades para benefício próprio?

Tanto Capitão Pátria – com seu superpoder muito superior aos demais – quanto Bruto (Billy Butcher) – com sua permissão irrestrita para controlar, seja por qual método for, os “abusos” dos superseres – apesar de se dizerem arautos de uma “causa maior”, sempre foram personagens extremistas e voltados apenas para seus próprios interesses, abusando desavergonhadamente de sua condição privilegiada.

Transportada essa premissa para o live-action, a cada temporada, o teor fantástico foi cedendo lugar, cada vez mais claramente, à metáfora da realidade do momento sociocultural e político do mundo atual, usando o cenário estadunidense como recorte global.

Nesta quarta e penúltima temporada de The Boys – enorme sucesso da Prime Video – os criadores – concentrados na figura do showrunner Eric Kripke – principalmente diante da iminência da nova eleição de Donald Trump para a Presidência dos EUA, resolveram tirar qualquer sutileza da sua crítica aos rumos que o mundo tem tomado, transformando Capitão Pátria (Antony Starr) num amálgama dos tiranos atuais e passados da história humana.

Foto: Divulgação (nada como um revigorante banho de sangue)

Estão presentes, na personalidade do personagem, tanto as frustrações artístico-estéticas, quanto a sede de poder de Hitler, além do desprezo – que o líder nazista demonstrava pelos judeus – voltado contra os humanos sem poder que, nas palavras dele, são “brinquedos” nas mãos dos (literalmente) superpoderosos.

A estratégia de Capitão Pátria para alcançar o poder máximo – inclusive com criação de campos de concentração – passa pelas fakenews, pelo sensacionalismo, pela instrumentalização da religião para fins mundanos, pela meia-verdade como modus operandi, pela manipulação midiática e narrativa, pela deturpação do contexto factual, por acusar os outros daquilo que se faz, e pelo uso da violência “em nome da paz”.

A plataforma de Capitão Pátria, para os humanos sem superpoder que não o seguirem cegamente, também possui paralelos com algumas das propostas reais trumpistas para, por exemplo, os imigrantes ilegais, ameaçados de prisão e banimento.

Sei que, com estas falas, corro risco de ser alvo de cancelamentos e campanhas de ódio nas redes, mas é preciso acrescentar que as novas personagens desta temporada, primeiro Espoleta (Valorie Mae Curry), é a “cara” desta nova extrema-direita mundial, algo como a mistura de Marine Le Pen (líder da extrema-direita francesa), com Shannon Bream (apresentadora superreligiosa da Fox News) e Damares Alves (pastora evangélica e senadora brasileira); enquanto Sábia (Susan Heyward) representa Joseph Goebbels, indiscutivelmente, um dos grandes filósofos do seu tempo, até se chafurdar na ideologia nazista, trabalhando incansável e indiscriminadamente para o Terceiro Reich. O fato de ser negra – portanto, vítima estrutural de preconceito e racismo – é mais chocante, ao se aliar ao seu exato oposto: ariano de olhos claros, além de machista e misógino.

Foto: Divulgação (alianças políticas são sempre marcadas pela conveniência)

Espoleta ainda se mostra de uma fidelidade cega e fanática ao Capitão Pátria, capaz de se prejudicar fisicamente para satisfazer aos desejos de seu ídolo autoeleito e de suportar resignadamente a humilhação dele advinda, muito ao gosto de vários seguidores reais de figuras autoritárias atuais.

E, para quem acha que podemos estar exagerando na correlação, o jargão de Capitão Pátria é, justamente, o mesmo que, apropriado de uma fala do Republicano Ronald Reagan na década de 1980, Donald Trump ressuscitou em sua campanha: “make America great again!”.

Do lado oposto, temos os “luzestrelistas”, seguidores da Luz Estrela (Erin Moriarty), em oposição ao Capitão Pátria, que fariam o papel dos Democratas ou a “esquerda” norte-americana, apesar que, tecnicamente, ser bastante incorreto tachar o partido Democrata de esquerda.

Além disso, como destacado na série, assim como a ex-super-heroína possui um passado questionável, os Democratas – hoje representantes do progressismo político estadunidense – foram, no passado, aqueles que se opuseram ao voto negro e feminino no país que, paradoxalmente, era defendido pelos Republicanos, os atuais baluartes da direita radical dos EUA.

Para recuperar sua real identidade – simbolizado na perda de seus poderes luminosos e poder de voo – Luz Estrela teve que – literalmente – encarar a si mesma na figura de uma transmorfa, que lhe jogou na cara suas incoerências e vitimismos. Palmas para Erin Moriarty, que pôde mostrar mais de suas capacidades dramatúrgicas, ao viver o mesmo papel físico, mas moralmente oposto ao que fez nas últimas três temporadas e meia.

Foto: Divulgação (eu, eu mesma e Luz Estrela)

Billy Butcher (Karl Urban) também foi muito bem desenvolvido em The Boys S04, por meio de seu drama meio no estilo Venon.

Dividido entre ser mais humano – no sentido humanístico e simbolizado pelas alucinações com sua ex-mulher– ao apostar na ética do jovem Ryan (Cameron Crovetti); ou de se jogar de vez no polo radical ao Capitão Pátria – com a ajuda de Joe Kessler (Jeffrey Dean Morgan) – no sentido de ser tão amoral e extremista nos seus propósitos quanto seu nêmesis, o personagem cresce, apresenta camadas e consegue atrair simpatia do público (pelo menos em boa parte da temporada).

Seu (suposto) câncer terminal – que o consome por dentro – não é uma doença simplesmente, mas seu drama pessoal, sua luta íntima. Butcher sabe que se se entregar totalmente aos seus impulsos, pouco vai se diferenciar do Capitão Pátria. Ao mesmo tempo, como lidar com algo tão radical, poderoso e violento sem ser tão violento quanto? Seria o paradoxo da tolerância de Karl Popper elevado ao grau máximo ou mera sociopatia disfarçada de “objetivos nobres”?

Ryan também tem seu momento. Apesar de alguns escrúpulos oriundos da criação que teve por parte de sua mãe (a Becca, de Shantel VanSanten) e de Grace Mallory (Laila Robins), ele deixa explícito que “gosta” de viver com seu pai Capitão Pátria, do glamour e mimo como é tratado na sede da Vought, bem como do poder que detém e lhe permite estar acima das pessoas comuns, humilhando-as (ou eliminando-as) em nome de estar “fazendo o bem”. É uma ação sua, aliás, que determina a decisão final de Butcher.

Hughie (Jack Quaid) continua sendo o personagem mais bem maltratado de The Boys, sofrendo o tempo todo, desde a morte de sua noiva no primeiro episódio da primeira temporada, ao confronto com a mãe ausente, o AVC do pai (Simon Pegg), a rejeição de Annie (ou Luz Estrela), a desilusão com seu ídolo de infância, e a decepção constante em sua aposta no humanismo de Butcher.

Foto: Divulgação (se o sofrimento faz amadurecer, Hughie já está quase apodrecendo!)

Ele simboliza o homem comum, o cidadão que sofre as consequências do embate entre duas forças igualmente irracionais acima de si, às quais lutam o tempo todo para prevalecerem uma sobre a outra.

Francês (Tomer Capone) e Kimiko (Karen Fukuhara) também evoluem e, apesar de algumas gorduras nas suas tramas, chegam a um ponto muito interessante e instigante.

Quem quase não sai do lugar enquanto personagem é Leitinho (Laz Alonso). A transformação física do ator – que emagreceu 30 quilos e levantou suspeitas sobre sua saúde – aliás, prestou um desserviço ao personagem, pois, mais se comentou sobre a modificação de sua silhueta do que sobre o seu arco dramático.

Outras boas contribuições foram o caminho tomado pela explodidora de cabeças Victoria Neuman (Claudia Doumit) e o velocista A-Train (Jessie Usher), cujos arcos foram surpreendentes, especialmente o daquela.

Profundo (Chace Crawford) metaforicamente se afoga na própria canalhice, perdendo de vez todos os limites morais que ainda poderia ter.

Foto: Divulgação (desenvolvendo personagens e surpreendendo o espectador!)

No quadro geral, The Boys S04 demorou bastante a desenvolver sua trama principal, no sentido de apontar para o final da história. A certa altura, parecia que os roteiristas apenas estavam tentando achar formas de irem o mais longe possível na escatologia e no gore característicos da série – a cena da “centopeia humana”, na sauna, é o ápice neste sentido – e não em encaminharem o enredo para algum lugar em específico.

Mas, após assistir a todos os 8 episódios de The Boys S04, vê-se que as arestas foram cuidadosamente aparadas. Nesse contexto, o episódio 5, no qual Capitão Pátria acerta os pontos com seu passado, deixa de parecer um filler aleatório, para se mostrar central no encaminhamento do personagem rumo ao seu desejo irrefreado pelo poder total.

Isolados, os episódios são mais do mesmo do que já vinha sendo mostrado ao longo dos três anos anteriores; mas, vistos no conjunto, ganham em qualidade, por terem sutilmente servido ao desenvolvimento dos personagens e da trama que, na quinta e anunciada última temporada de The Boys, vai ter muito material para encerrar a saga e de continuar a criticar o cenário e o capitalismo selvagem norte-americano, algo louvável, ao se concluir que, apesar do idealizador dos personagens ser um irlandês, toda a produção é estadunidense e naturalmente capitalista.

Isto se, caso reeleito, Donald Trum…, digo, caso eleito, Capitão Pátria permita…

Foto: Divulgação (espere para ver o que virá! mas o futuro não é promissor!)


Nota: 4 / 5 (ótimo)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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